O tema de Inteligência Artificial tem se destacado como de grande interesse no mercado, não só em empresas e na mídia especializada em tecnologia, mas também como pauta de mercado. Existe uma grande expectativa de breakthrough em negócios – em como as organizações e mesmo a sociedade vão mudar suas formas de usar informações com o suporte tecnológico inteligente.
Que existem perspectivas de grandes transformações e oportunidades é inegável, mas como separar o que é tangível e o que é hype? E o que podemos aprender para fazer melhor uso dessa (e de outras) novas tecnologias inovadoras?
As diversas tecnologias têm diferentes características – disso também não esperamos extrair uma receita mágica. Mas analisando casos anteriores, talvez seja possível abstrair e analisar pontos úteis na gestão da inovação tecnológica sem cair em armadilhas.
O mercado faz muitos exercícios de forecasting para tentar desenhar os cenários futuros, calibrar investimentos, preparar projetos e capacitar a organização. Mas poucas análises são feitas olhando para trás, com o intuito de ajudar a calibrar esses esforços e investimentos com base em experiências vividas, sejam elas boas ou ruins. Seria questionar: as expectativas traçadas foram condizentes com a relevância observada quando se esperavam os resultados?
Recentemente divulgamos o IoT Snapshot 2024, a 6ª edição do estudo sobre internet das coisas, transformação digital e temas relacionados a inovação tecnológica relacionada à quarta revolução industrial. Desde a primeira edição, temos repetido um conjunto de perguntas relacionado à importância percebida do tema de IoT pelos CIOs no momento da resposta e as perspectivas de variação em um horizonte de tempo de 3 a 5 anos. Como exemplo: em 2016, perguntamos qual era a importância de IoT naquele ano, com 27% dos respondentes indicando que o assunto era importante ou muito importante, e qual seria a importância em 3 a 5 anos, com 62% indicando que o assunto seria importante ou muito importante.
Esta pergunta foi repetida pergunta ao longo das 6 edições e esse intervalo de tempo, o futuro de 3 a 5 anos chegou. Na edição 2024, 40% dos respondentes indicaram que o assunto era importante ou muito importante. Mas em 2019 (cerca de 3 a 5 atrás), 76% dos respondentes indicaram que no futuro a importância do tema seria alta ou muito alta. De forma análoga, para os outros anos em que conseguimos comparar as informações, a expectativa se mostrou muito mais otimista do que a realidade, com diferenças de 20-40%.
Na experiência acumulada nas nossas pesquisas, o futuro parecia ser sempre bem mais positivo e promissor. Mas quando esse futuro chegava, a importância do tema se mostrava mais modesta do que se esperava. Abaixo listamos alguns dos argumentos identificados:
- Negócios e tecnologia – dificuldade ou demora para iniciar ou acelerar iniciativas, principalmente por dificuldade de provar business plans ou encontrar casos de uso aplicáveis;
- Ciclo de vida de adoção tecnológica – surgimento ou desenvolvimento de novas tecnologias (“brinquedo novo”) que substituíram o tema em prioridade;
- Qualidade da implantação – complexidade no desenvolvimento dos projetos, frustração por resultados não obtidos ou aquém das expectativas nas tentativas de implantação das soluções;
- Estabilização do tema como business as usual – enfim, o roll-out das soluções.
O que podemos inferir é que o hype tecnológico geralmente é caracterizado por uma elevada expectativa quanto às aplicações dessa tecnologia e que, em no cenário mais pessimista, não se concretiza de maneira produtiva. Esse desenvolvimento que pudemos observar com o tema de IoT e Digital Transformation pode ser utilizado para traçarmos possíveis paralelos com o que estamos observando com as elevadas expectativas relacionadas a IA.
Lições aprendidas e recomendações com a onda de IA
Negócios e tecnologia – esse binômio nunca foi mais relevante. Um primeiro ponto que pode ser citado para que a expectativa de criação de valor com uma tecnologia inovadora não seja apenas um hype sem fundamento é entender – de maneira robusta – como esta tecnologia pode melhorar os resultados da organização.
Citamos IoT e estamos discutindo IA, mas podemos trazer para a discussão, a caráter de exemplo, outra tecnologia muito citada, mas que ainda carece de melhor entendimento para que seja bem utilizada: o 5G.
Também no IoT Snapshot, perguntamos a mais de 100 executivos no Brasil sobre suas expectativas em relação ao 5G. Hoje, 43% dos respondentes possuem expectativas altas e médias, e no horizonte de 3 a 5 anos o índice sobe para 77%. Porém, quando perguntamos quão claros estão os benefícios do 5G para os negócios, apenas 10% dos respondentes consideram que têm muita clareza desses benefícios, e 35% têm clareza razoável. O que podemos inferir é que existe uma aposta otimista sobre essa tecnologia emergente, mas sem a clareza de seus benefícios.
Há alguns anos, com a transformação digital, observamos a TI entrando em elos da cadeia de valor que não era comumente suportados por tecnologia. As tecnologias digitais entraram, de maneira irreversível, na agenda de negócios, melhorando processos em termos de eficiência, agilidade, qualidade para experiência do usuário, suporte à tomada de decisões, dentre outros benefícios.
Esse movimento trouxe como requisito a necessidade cruzada de as equipes de TI terem um melhor entendimento das alavancas de negócios de suas organizações e de as várias áreas de negócio assimilarem conhecimentos de como a tecnologia pode ser implantada e aplicada em seus processos.
Na pesquisa, conseguir provar a viabilidade da solução é, junto com o fator cultural de pessoas, o principal inibidor da adoção de IA nas empresas. 36% dos respondentes atribuem à complexidade de elaborar casos de uso e business cases robustos a dificuldade de provar a atratividade da solução e aprovar projetos.
Entender os processos de negócio e como as tecnologias podem ser benéficas é um dos principais, se não o principal, requisitos para capturar os benefícios da inovação tecnológica. Esse entendimento possibilita estruturar planos de negócios mais robustos e factíveis – e com isso, com melhores chances de receberem recursos para testes e roll-out. Tecnologia por tecnologia não é viável, não é sustentável operacionalmente e não traz resultados de valor para a organização.
Ciclo de vida de adoção tecnológica – investir ou não investir, desistir ou não desistir – eis as questões
O desenvolvimento tecnológico e o ciclo de vida de adoção são processos de médio ou longo prazos. Estabelecer expectativas de curto prazo para a captura de valor com tecnologias inovadoras é uma medida arriscada e pode levar a frustrações ou mesmo desperdício de recursos com abandonos precoces de iniciativas.
Como já mencionado anteriormente, é fundamental que a adoção tecnológica seja bem encaixada com as oportunidades e demandas de melhoria de negócios. Mas a inovação e adoção de novas tecnologias está, obviamente (mas na agenda corporativa isso parece não ser tão óbvio) sujeita a tentativas e erros.
Seja pelo natural refinamento das tecnologias e soluções, seja por questões de capacitação das equipes envolvidas, seja pela resolução gradativa de problemas e fine tuning, o amadurecimento requer esforço e tempo.
Existe um ponto de equilíbrio entre investir recursos de maneira a promover um impulso inicial no estudo e teste das tecnologias, dosar esses investimentos considerando que existe um caráter de aposta e risco nas inovações e acompanhar de maneira assídua o desenvolvimento das iniciativas para entender seu amadurecimento e estabilização.
A incubação de soluções inovadoras deve conseguir proteger as novas ideias, tecnologias e soluções até que se tenha visibilidade se o investimento é mais ou menos promissor.
Diversos fatores podem tumultuar a tomada de decisão ao longo do ciclo de vida: dificuldades financeiras, mudanças de direção estratégica ou o chaveamento de atenção de uma tecnologia para outra. Este último, devido à crescente importância da tecnologia na agenda executiva e à escassez de recursos capacitados que observamos em muitas empresas, faz com que a adoção de tecnologias seja abandonada antes de sua maturação. É o que podemos chamar de organizações que vivem de hype em hype.
É importante que seja estabelecida uma governança de investimentos e inovações, de maneira a possibilitar uma tomada de decisões mais segura para o desenvolvimento e adoção das novas tecnologias, otimizando investimentos e mitigando frustrações desnecessárias.
Qualidade da implantação – tecnologia é mais sobre pessoas do que sobre tecnologia
Outro importante fator de abandono e instabilidade na adoção de tecnologias é a dificuldade e resultados questionáveis nos projetos de novas tecnologias. Difícil falar em fracasso quando o tema é inovador, mas uma análise do cenário de gestão tecnológica nos traz pistas importantes de fatores críticos.
Um ponto crítico que temos observado é a dificuldade de identificar profissionais qualificados para trabalhar com o cenário borbulhante de novas tecnologias que vêm surgindo.
No nosso estudo IT Trends Snapshot, com a participação de mais de 100 executivos de tecnologia no Brasil, identificamos que 94% dos respondentes enfrentam desafios de escassez de mão de obra qualificada.
Mais especificamente para IA, no IoT Snapshot, observamos dados críticos:
- Apenas 15% dos respondentes consideram que têm equipes preparadas ou muito preparadas para IA;
- 73% dos respondentes não possuem profissionais dedicados ou especializados em IA.
Outro aspecto fundamental relacionado a pessoas e que impacta a tangibilização dos ganhos das novas tecnologias é a resistência a mudança – tema totalmente relacionado à gestão de pessoas:
- Para IA, 36% dos respondentes consideram que a resistência à mudança é um dos fatores inibidores da adoção, sendo, junto com a dificuldade de provar a viabilidade da solução (que já comentamos anteriormente), o fator mais importante de dificuldade;
- Para IoT e transformação digital, encontramos um número muito próximo, de 35%, sendo o segundo fator mais importante de dificuldade de implantação.
Além da capacitação tecnológica e do foco no change management, existe ainda outro ponto que julgamos importante, que é a capacitação cruzada: se TI conhecer dos negócios passou a ser fundamental, também as áreas de negócio terem um nível mínimo de alfabetização tecnológica vem surgindo como uma necessidade cada vez mais importante.
Ter conhecimentos básicos de como os sistemas e tecnologias podem contribuir com o dia a dia de suas áreas, ter noções das fases e pontos críticos de transformação em projetos de implantação tecnológica e saber trabalhar em parceria com suas equipes de TI e parceiros tecnológicos tornaram-se skills fundamentais de qualquer gestor.
Hoje é impensável gerir uma organização sem saber gerir tecnologia. Conhecimentos como administração de empresas, gestão de pessoas, finanças, estratégia e marketing compunham o conjunto básico de habilidades gerenciais de um gestor e principalmente de um executivo. Podemos afirmar hoje que tecnologia pode e deve ser adicionada a esse tool box, pois é inviável gerir uma organização sem TI.
O quanto os executivos das áreas de negócios das organizações são versados em tecnologia? “Ah, isso é coisa da TI...”, “Não entendo nada de tecnologia...” ou “Não sei como funciona esse sistema...” em pouco tempo poderão ser entendidas como declarações de negligência ou de falta de capacitação básica como gestor.
Seja na capacitação dos profissionais de TI em novas tecnologias (que surgem cada vez mais rápido e cada vez em maior quantidade e complexidade), seja no trabalho dos profissionais para adaptação e mitigação de resistência à mudança, seja na formação dos profissionais – e em especial os líderes – das diversas áreas da organização em conceitos básicos de tecnologia, a gestão de pessoas para TI passa a ser um fator crítico de sucesso.
Tecnologia é mais sobre pessoas do que sobre tecnologia. E entender essa perspectiva e trabalhá-la também é fundamental para a melhora da efetividade dos projetos e operação de tecnologia.
Roll-out das soluções
Por fim, o melhor e mais desejado motivo pelo qual um tema tecnológico pode sair dos holofotes é o roll-out. A inovação deixa de ser inovação e entra para a operação da empresa.
Como exemplo de timing, para o caso de IoT, começamos nossa pesquisa em 2016, com um cenário que indicava um baixíssimo nível de conhecimento sobre o assunto, mas grande interesse. E, cerca de 5 anos depois, na edição de 2021, publicamos as primeiras respostas confirmando roll-outs de solução.
O ciclo teve muitos testes, inovação, proliferação e amadurecimento de todo um ecossistema de start-ups, mudanças e evoluções de responsabilidades sobre os projetos migrando e oscilando entre IT e inovação, áreas de negócio desenvolvendo projetos shadow (e algumas depois se emparceirando com TI), dentre outras movimentações, principalmente no sentido de uma disseminação de conhecimentos e interesse sobre tecnologia na empresa como e amadurecimento de TI, saindo de uma área mais administrativa para um papel relevante nos negócios.
A incorporação da tecnologia na operação inclui, dentre outros, alguns pontos de atenção:
- Estabelecimento claro de condições contratuais com os parceiros tecnológicos envolvidos;
- Detalhamento de condições de operação e manutenção das soluções (políticas de teste e implantação, troubleshooting, upgrades e versionamento, modelos de precificação, compatibilidade e integração, bases de conhecimento etc.) – muitos desses temas, ainda que mais operacionais ou aparentemente burocráticos, são importantes e ajudaram a mostrar a importância de uma gestão madura de TI – e com isso mitigar a multiplicação descontrolada de iniciativas de shadow IT;
- Definir aspectos estruturais para operação da tecnologia – equipes de projeto, operações e áreas clientes principais, incluindo aspectos como treinamento e certificação.
Esperamos que esse ciclo com IA se desenvolva com um razoável amadurecimento em termos de governança e relacionamento entre as áreas das organizações. Mas ainda com desafios significativos de justificativa dos benefícios em negócios e de capacitação técnica.
Próximos passos e perspectivas
Há alguns anos vínhamos estressando a afirmação de que a transformação digital seria uma revolução. A IA, como uma das tecnologias que estava embarcada no pacote de inovações tecnológicas anunciadas, é um de seus destaques. Evoluir a capacidade computacional a nível de possibilitar correlações de informações, aprendizado e sugestões abre caminho para melhorias e otimizações sensíveis no dia a dia corporativo.
Mas adotar e investir em uma tecnologia só pelo estrondo feito nos meios de comunicação é deveras arriscado. Vimos nesse mesmo intervalo de tempo alguns hypes surgirem e evaporarem: NFTs, metaverso (mais de uma vez) e smart glasses (voltando?) são alguns exemplos.
Algumas práticas que podem ajudar a melhorar a efetividade dos investimentos em inovações tecnológicas podem ser utilizadas:
- Buscar muita clareza de como essas novas tecnologias podem melhorar os negócios (casos de uso, impactos da tecnologia nos negócios);
- Estabelecer uma governança para os investimentos em inovação, de maneira a filtrar e selecionar os focos da inovação, acompanhar e decidir sobre a continuidade ou não dos investimentos;
- Desenvolver o tema de gestão de pessoas em tecnologia – as equipes tecnológicas em novas tecnologias, change management e as áreas de negócio em geral para gestão de tecnologia;
- Estabelecer planos de aterrissagem das novas tecnologias na operação (aspectos contratuais, de suporte e operação, treinamento etc.) – para os casos felizes de sucesso.
Existem fatores externos, de menor possibilidade de controle, e fatores internos que podem influenciar o sucesso na adoção de uma nova tecnologia, evitando que sejam simples hypes. Os aspectos internos não são triviais – e, somados com a própria complexidade tecnológica – se compõem como desafios relevantes para a administração da empresa.
Mas em um mundo cada vez mais digital, esses desafios não podem ser negligenciados, muito pelo contrário, podem se tornar fatores importantes de competitividade no mercado.
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