As tendências tecnológicas no Mobile World Congress 2024 (Parte 2)

Semana passada, comecei minha análise sobre os temas mais latentes que apareceram no Mobile World Congress 2024, em Barcelona. Na primeira publicação, me debrucei sobre os tópicos de monetização da infraestrutura de rede e Inteligência Artificial; e nesta elenco como foco os temas de Open-X e Digital ESG.

Open-X

O mundo será open. Aqui trataremos da questão em um nível propositalmente menos específico: sem foco em Open-RAN ou Open Gateways, por exemplo, e mais na questão de avaliar a possibilidade de trabalhar em arquiteturas mais compartilhadas, padronizadas e mais multi-vendor.

O mercado de telecom é naturalmente conectado e compartilhado. O objetivo natural de telecomunicações sempre foi levar uma informação de um ponto A para um ponto B, e isso, em geral, requer o uso de ativos de diferentes empresas para cumprir a trajetória. Em um cenário no qual a presença física dos ativos foi intensamente e é ainda um diferencial, a remuneração das frações utilizadas sempre foi vista como um requisito natural (considerando as constantes discussões de preços, fatores, percentuais etc.).

A discussão se intensifica quando sobe para a camada de funcionalidades e aplicações, como no caso de Ope Gateways. O equilíbrio entre os benefícios de padronização e compartilhamento de interfaces de troca de informações e a aceleração de comoditização de inteligência (que em algum momento pode ter sido desenvolvida internamente) e abertura e distribuição de funcionalidades não é ponto pacífico. Por outro lado, estar ou não conectado pode (ou não) permitir acesso aos clientes e mercados.

Outra perspectiva importantíssima sobre Open é a possibilidade de criação de redes abertas, no caso mais discutido, as Open-RANs. O modelo possibilita a montagem de uma arquitetura mais diversificada de parceiros contribuindo com diferentes funções de redes e serviços, contrapondo o modelo tradicional de fornecimento por vendors com arquiteturas mais verticalizadas.

O trade-off neste caso reside nos benefícios de diluir o ecossistema de rede em mais parceiros – e com isso mitigar riscos técnicos e comerciais de lock-in – com os desafios de:

• Gerenciar um ecossistema de múltiplos pontos focais e uma complexidade naturalmente maior;
• Deter o conhecimento de desenho arquitetural dentro de casa, com menos simbiose técnica com os vendors legados, ou pelo menos mais desafios de alinhamentos entre os participantes do ecossistema; e
• Estabelecer uma governança de atualizações e modificações de redes mais dinâmica, entre design, testes e roll-outs, que passam a ser mais frequentes pela softwarização da rede e preponderância de aplicações de serviços mais diversificados.

Considerando o já citado desafio de pessoas, que inclui a capacitação e a gestão de change management, esse novo cenário está muito longe de ser trivial (além da própria reação do mercado, pois ninguém quer perder terreno ocupado). Por outro lado, é uma mudança estrutural que nem está só atrelada ao Open: só o fato de as redes estarem se virtualizando e os building blocks estarem se transformando em softwares já requer uma reavaliação e transformação inevitáveis.

Digital ESG

Não foi com esse termo que o tema de sustentabilidade e ESG de maneira abrangente foi tratado. Mas, considerando o evento como um trend setter, e considerando a relevância da tecnologia na sociedade, mercado e ambiente, é impossível admitir que a tecnologia digital precisa ser avaliada sob uma ótica bem mais abrangente em sua relação com o ESG.

Olhando o cubo mágico pelas suas várias facetas:

• Como a tecnologia pode auxiliar na disseminação de informações e educação, de maneira a reduzir a desigualdade – como meio;
• Como a tecnologia pode alavancar as possibilidades de crescimento pessoal e de organizações, também contribuindo para a redução da desigualdade e abrindo oportunidades – como conteúdo;
• Como a tecnologia pode auxiliar as análises de otimização de operações de maneira a racionalizar o consumo de insumos (ex. combustíveis, energia elétrica) – como meio (de medir, analisar e propor melhorias);
• Como a tecnologia deve evoluir e ser melhor utilizada de maneira a consumir menos insumos por si só – como recurso (como a rede como um todo deve ser menos agressiva ao ambiente);
• Como a tecnologia equilibra a captura e exposição de informações individuais e coletivas (tão necessárias aos modelos de serviços e funcionalidades) e a segurança, privacidade e individualidade de maneira a mitigar riscos e prejuízos; e
• Em um cenário no qual os papeis e responsabilidades da atuação conjunta de temas como sustentabilidade, segurança e tecnologia estão pouco definidas, como desenhar a governança para conduzir temas, ao mesmo tempo tão novos, mas tão importantes.

Enfim, nesse tópico há muito mais perguntas que respostas ou mesmo caminhos. Mas uma breve e superficial análise já mostra a importância e necessidade de trabalhar o tema de maneira muito mais estruturada.

Se o objetivo do evento é mostrar caminhos e possibilidades, o evento foi muito bem-sucedido, pois foi feliz em abrir um leque muito amplo de discussões, desafios e oportunidades que podem e devem ser trabalhados e que estão muito longe de serem triviais. Se cabem algumas contribuições resumidas:

• Um modelo com a infraestrutura de rede como plataforma de conectividade e uma camada de aplicações – mirando principalmente serviços para B2B, com o objetivo de explorar novas fontes de receita – precisa amadurecer urgentemente;
• IA (e outras aplicações tecnológicas sofisticadas como industrial IoT) precisam evoluir de maneira que considerem não só as funcionalidades, mas seus aspectos estruturantes, como redes de dados, recursos de processamento e, principalmente, pessoas;
• Em um cenário mais open, a relação de forças entre os participantes do ecossistema pode e está se transformando e isso impacta, além de todos os pontos técnico-operacionais, os modelos de relacionamento entre empresa e seus parceiros e a necessidade de habilidades e relações entre pessoas;
• Pessoas – tecnologia é sobre pessoas, acreditem; e
• A tecnologia hoje tem papel muito mais importante, abrangente e transformador do que nunca – e deve ser gerida com responsabilidade equivalente.