Ouso dizer que ainda não tivemos todo sucesso na incorporação da pauta de tecnologia da informação (TI) na estratégia e gestão das empresas. Minha afirmação é baseada em dois aspectos principais: na dificuldade que as organizações ainda têm em incluir a tecnologia como assunto estratégico e, complementarmente a isso, na própria dificuldade que os profissionais e equipes de TI têm em se capacitar para exercer esse papel.
A transformação digital, cristalizada nos termos de indústria 4.0 e 4ª revolução industrial, é constituída de tecnologias e soluções que exploram o potencial da TI para melhorar a forma como as empresas fazem negócios, com atuação e impactos diretos nos seus processos produtivos. Em uma década de desenvolvimento de temas como internet das coisas (IoT), analytics, inteligência artificial (IA), robótica, observo avanços muito relevantes.
A TI finalmente tem sido considerada na agenda de estratégia de suas organizações, um dos avanço importantes do mercado. Outra movimentação relevante é a jornada de transformação digital, citada como prioridade de negócios para as empresas pela primeira vez, na pesquisa IT Trends Snapshot 2022.
Apesar desse avanço, a amplitude das transformações necessárias para incorporar o potencial total das tecnologias nas organizações ainda é um assunto pouco explorado. Isso porque, capturar os benefícios das novas tecnologias em sua magnitude completa exige nova mentalidade, capacitações, estruturas e formas de trabalhar.
Para ter uma ideia de como ainda estamos iniciando essa jornada, posso citar as transformações necessárias nas próprias equipes de TI. Na medida em que TI ganha importância, o conjunto de habilidades exigidas dos profissionais e suas equipes também aumenta em perspectivas significativamente distantes da disciplina de tecnologia.
As facetas do cubo mágico: desenvolvimento amplo de habilidades
Como um cubo mágico: para que ele esteja resolvido, é necessário resolver o quebra cabeça em suas diferentes facetas. No universo de TI, seriam elas:
- Conhecimento em negócios;
- Aprofundamento em tecnologias e visão arquitetural;
- Gestão de pessoas;
- Gestão de ecossistemas e contratos;
- Sustentabilidade na agenda de TI;
- Governança.
Conhecimento em negócios: o binômio fundamental de negócios e tecnologia
Seguindo a ordem elencada, o primeiro tópico relevante a ser destrinchado é, sem dúvida, o conhecimento dos negócios da empresa. A TI saiu do CPD para ir definitivamente para as linhas de produção, para os pontos de venda, para o supply chain, com aplicações que buscam atuar diretamente na cadeia de valor, na relação da organização com seus clientes e fornecedores.
Diante desse novo cenário, o sucesso do desenvolvimento e implantação de soluções digitais passa pela elaboração de casos de uso viáveis para otimizar seus negócios e provar que essas soluções trazem benefícios tangíveis.
De acordo com o IoT Snapshot 2024, o principal ofensor para o desenvolvimento de soluções de IoT é a habilidade de desenvolver soluções viáveis financeiramente, citada por 37% dos respondentes. No mesmo estudo, para soluções de inteligência artificial, esse obstáculo é mencionado por 36%. Em ambos os casos, é possível verificar o desafio do desenho de soluções alinhadas aos negócios, dos casos de uso e entendimento dos possíveis impactos o seu fator de sucesso.
Aprofundamento em tecnologias e visão arquitetural: a crescente complexidade e indissociabilidade das tecnologias
Os profissionais de TI têm se deparado com um desafio de desenvolvimento composto de duas ortogonais:
- O aprofundamento e especialização tecnológica;
- A visão arquitetural e as interconexões entre as várias tecnologias.
Quando olhamos em uma ortogonal, é possível ver uma necessidade cada vez maior de aprimoramento. Ou seja, conforme o uso de tecnologia se amplia, expande-se também seus horizontes de desenvolvimento e aprofundamento, com uma necessidade crescente e cada vez mais ágil de especialização.
Atualmente, a necessidade de atualização é tamanha que é comum ouvir que a habilidade de “aprender a aprender” se tornou tão ou mais importante do que o próprio conteúdo de conhecimento. A aplicabilidade de determinada tecnologia vem se tornando cada vez mais curta: o termo efêmera talvez ainda seja exagerado, mas ilustra bem a preocupação com a constante atualização.
Na outra ortogonal está a necessidade de entender as diversas tecnologias que compõem a arquitetura de maneira integrada. Um exemplo que utiliza uma variedade relevante de building blocks tecnológicos é a arquitetura tecnológica para internet das coisas, divididos em:
- As coisas – os sensores, atuadores ou devices conectados;
- A internet – ou a conectividade que liga os devices às plataformas;
- A plataforma de IoT – que se integra aos devices através das redes e permite o processamento o uso das informações nas aplicações de negócios;
- A solução de analytics – que processa os dados coletados de maneira a permitir tomada de decisões ou atuação nos devices
- Inteligência Artificial (IA) – sobre a estrutura de dados de analytics, que possibilita análises mais sofisticadas como predições ou aprendizagem;
- A segurança – proteção de ataques e invasões, desde a ponta (devices), passando pela rede, até as aplicações;
- As aplicações verticais – softwares que permitem as análises para tomada de decisão ou ações de negócios que utilizam os dados coletados pelos devices.
Todos esses elementos estão intrinsecamente interligados, como, por exemplo: a escolha da melhor opção de conectividade depende da aplicação, do ambiente e das tecnologias embarcadas nos devices. Já a segurança precisa cobrir desde os devices, que podem se tornar pontos de vulnerabilidade, toda a rede, as aplicações e ambientes de processamento das informações. A plataforma, que deve possibilitar a conexão com a tecnologia de conectividade escolhida, com as aplicações de negócios e com as plataformas de dado. Ou seja, tudo está conectado.
Não trabalhar em silos sempre foi um mantra recitado em TI, mas agora que as soluções precisam funcionar mais do que nunca para um objetivo de negócio e não como funções isoladas, essa necessidade torna-se ainda mais explícita. A coexistência equilibrada entre a visão abrangente e arquitetural e a especialização aprofundada por tecnologia é um binômio importante no desenvolvimento de skills em TI.
Gestão de pessoas: tecnologia diz mais respeito a pessoas do que tecnologia
A formação de mão de obra qualificada é um problema estrutural conhecido no Brasil. Esse desafio se acentua no campo da TI, como a necessidade de rápida capacitação em novas tecnologias, associação aos negócios, necessidade de visão arquitetural, entre outros fatores.
De acordo com a pesquisa IT Trends Snapshot 2023, 94% dos CIOs respondentes afirmaram enfrentar desafios com a escassez de profissionais qualificados em TI. Os fatores que geram a complexidade para a estruturação são o aumento do contingente de profissionais de tecnologia, a valorização do perfil e o aumento das expectativas e skills necessários.
Neste cenário, a gestão de pessoas se torna um requisito importante para um gestor de TI para: desenhar a estrutura com papeis e responsabilidades; avaliar necessidades de recrutamento e desenvolvimento; avaliar cenários de make-or-buy; analisar skills e conteúdo para treinamento; coordenar os programas de desenvolvimento; e tomar decisões para ou no desligamento de profissionais.
Para além da gestão de pessoas dentro da área de TI, ainda existe um outro ponto importante: trabalhar a resistência à mudança. No IoT Snapshot 2024, o aspecto cultural e a resistência a mudança são citados por 35% dos respondentes como principal fator inibidor da adoção de IoT nas empresas.
É importante ressaltar que a tecnologia é adotada para otimizar o trabalho das pessoas, mas ela precisa ser adotada pelas pessoas. A adoção de tecnologia diz mais respeito a pessoas do que à tecnologia propriamente dita.
Gestão de ecossistemas e contratos: seja qual for o modelo, faça da melhor forma possível
Uma ação natural buscada pelos gestores de TI como resposta à dificuldade de contratação de profissionais é a terceirização de serviços. Segundo a IT Trends Snapshot 2023, como resposta à escassez de profissionais, 59% dos entrevistados ampliaram a contratação de serviços e soluções de fornecedores terceirizados, enquanto 23% planejavam fazer essa ampliação.
Seja pela dificuldade de contratação por escassez, seja pela complexidade natural de especializações tecnológicas, a terceirização de serviços mostra-se como um tema muito presente e que precisa ser bem gerenciado em TI. Em termos de atividades de gestão, listo importantes atividades, como:
- Desenho de soluções (a partir do entendimento de demandas de negócios);
- Gestão de ecossistema (identificação dos possíveis parceiros, seja por especialização ou por capacidade de serviços, suporte ao desenho do modelo de contratação ou gestão do contrato e seus deliverables e gestão de SLAs);
- Gestão de operação (avaliação das soluções implantadas e em uso, gestão do suporte e troubleshooting, além da evolução das funcionalidades);
- Gestão contratual, com durações e ciclos contratuais (cláusulas técnico-operacionais, renovações, rescisões, custos, penalidades técnicas)
Sustentabilidade na agenda de TI
O tema de ESG vem ganhando (para o nosso bem) cada vez mais importância. A tecnologia da informação pode contribuir de maneira relevante no assunto em diversas perspectivas, com:
- O desenvolvimento e evolução de infraestrutura mais eficiente e que contribui com menos emissões de carbono e impactos em seu ciclo devida
- Soluções que contribuem para a redução de impactos ambientais (como as soluções de trabalho remoto, que diminuem os impactos de emissões de CO2 com deslocamentos, por exemplo);
- Governança e arquitetura de dados para a otimização dos processos de coleta, análise, registro e reporting;
- Ferramentas e soluções que auxiliam no desenho dos casos de uso de otimização; e
- Plataformas de gestão de programas para a consolidação e coordenação dos programas de ESG.
Segundo o estudo CIO Report 2024, 94% dos entrevistados no Brasil acreditam que TI é fundamental para o sucesso de ações de sustentabilidade. Por outro lado, gestores da pauta de sustentabilidade ainda afirmam que existe uma grande distância entre as discussões e planos e ações de sustentabilidade.
De maneira análoga à necessidade de entendimento de negócios pelos CIOs, os executivos e gestores precisam se alfabetizar quanto ao tema de sustentabilidade e se aproximar da agenda. A sustentabilidade é, antes mesmo da discussão sobre TI, vital para as organizações e para o planeta como um todo.
As ações de TI para o tema podem ser benéficas em diversas perspectivas. A gestão de informação por meio de soluções tecnológicas pode apoiar a agenda ESG na busca por visibilidade de indicadores ou de implementação de ações de sustentabilidade. A capacidade de organizar KPIs, geri-los e de sua análise derivar ações de melhoria é fundamental para a competitividade da organização como um todo. Ou seja, a gestão de ações sustentáveis requer e, também, desenvolve habilidades que podem ser úteis para a continuidade da empresa como um todo, o famoso ganha-ganha.
Governança: a gestão da empresa de tecnologia dentro da empresa
As atividades de gestão de TI são amplas e diversificadas. Para ter uma visão holística de governança, é necessário:
- Acompanhar tendências de evolução tecnológica e identificar boas oportunidades de adoção;
- Entender a estratégia de negócios da empresa e planejar como a tecnologia pode contribuir com seu sucesso;
- Desenhar roadmaps de evolução;
- Gerir os processos e iniciativas de transformação digital e inovação;
- Desenhar projetos de melhoria e implementá-los;
- Operar e garantir o funcionamento das soluções e a boa prestação de serviços das equipes;
- Gerir a equipe de TI e o employee journey, desde o recrutamento, treinamento, desenvolvimento ou saída;
- Gerir a base de parceiros, os ativos, seus contratos, ciclo de vida, custos e penalidades;
- Gerir os custos e investimentos, desde o planejamento, consumo dos recursos em projetos e operações e desenvolvimento de ações corretivas; e
- Gerir os indicadores e resultados de TI, desde aspectos estratégicos, como geração de valor com novas soluções digitais, até quesitos operacionais como chamados e respostas no service desk.
Essa lista é um extrato das atividades de gestão de TI. Fica evidente aqui que o leque de atividades e responsabilidades de TI é amplo, diversificado e tende a se ampliar. O entendimento de modelos de gestão e governança, bem como sua aplicação no dia a dia de TI, é fundamental para o pleno exercício da função e suporte aos negócios da empresa.
Conclusão: As faces do cubo e as técnicas de solução
O desenvolvimento das diversas dimensões de skills necessários à equipe de TI pode ser comparando à solução de um cubo mágico. Com essa analogia em mente, é preciso considerar algumas características importantes:
- A solução das diversas faces é interconectada, ou seja, não é possível simplesmente resolver uma face, depois outra e depois outra sucessivamente. Um lado precisa ser resolvido já considerando o impacto nos outros e a solução final conjunta;
- A solução segue algoritmos com passos estabelecidos de solução que depende da situação inicial e o próximo estágio desejado. Não são movimentos aleatórios ou de curto prazo que de repente se configuram no desenho final;
- A análise do cenário inicial de maturidade de cada aspecto, ou face do cubo, é necessária para desenhar o plano de solução com os passos de cada movimentação e, com isso, a solução é implementada;
Existe a necessidade de pensar no cenário final – que estágio final a empresa deseja em termos de maturidade para cada tema, considerando a inter-relação entre os diversos temas ou faces;
- Profissionais mais generalistas ou especialistas;
- Análise de maior ou menor nível de terceirização para, desta forma, medir o esforço de aquisição de habilidades de gestão de ecossistema ou de gestão de pessoas;
- Foco ou diversidade de agenda, analisando se a atuação de TI será mais tradicional ou mais diversificada – vale considerar os temas de transformação digital, inovação, sustentabilidade e entre outros;
- Ponderação de quais os aspectos mais críticos para uma gestão mais efetiva, em termos de mecanismos de governança.
Ao obter uma visão abrangente de todas essas faces, passa a ser possível desenhar um plano integrado de evolução dos profissionais da equipe e, de maneira derivada, desenhar um plano individualizado. Embora possa parecer complicado, da mesma forma que a solução do cubo mágico, o desenvolvimento de habilidades da equipe de TI tem solução.
É necessário conhecer as possibilidades de movimento e soluções aplicáveis às diferentes situações. Ou seja, só bom senso e feeling (e muito menos sorte) não resolvem.
A jornada tem muitos passos e algumas vezes pode parecer que um resultado já atingido está sendo desmontado, mas se você seguir o plano, as soluções vão se encaixar. O tema é crítico e em hipótese nenhuma pode ser abandonado empoeirando no canto da estante da sala, como aquele cubo largado no meio do caminho. Como no cubo mágico, não tem nada de mágico: treino, planejamento, paciência e execução.
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